quarta-feira, 23 de setembro de 2009

DO CAMPO DO SABER PARA O CAMPO DO ENSINO: MODOS DE TRANSPOSIÇÃO DE GÊNEROS DISCURSIVOS EM SOCIEDADES HIPERSEMIOTIZADAS – O CASO DO GÊNERO CHARGE

DO CAMPO DO SABER PARA O CAMPO DO ENSINO: MODOS DE TRANSPOSIÇÃO DE GÊNEROS DISCURSIVOS EM SOCIEDADES HIPERSEMIOTIZADAS – O CASO DO GÊNERO CHARGE

Luís de Nazaré Viana Valente
(UFPA – texto publicado na ASLIPA 2006)

Resumo: O propósito do presente artigo está em problematizar os modos de didatização de gêneros discursivos em sociedades hipersemiotizadas (MOITA LOPES, 2004). Trata-se de por em questão os mecanismos utilizados na passagem de um gênero “icônico-verbal” (como a charge), do campo do saber para o campo do ensino, e suas possíveis influências em questões de ordem teórico-metodológicas no ensino do português.

Palavras-chave: didatização; gêneros do discurso; ensino de línguas.


1 introdução: O reconhecimento da crise

Atualmente muito tem se discutido sobre a eficácia das práticas pedagógicas que norteiam o ensino de Língua Materna (LM) em nossas escolas, principalmente quando se espera

Que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar uma inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (PCN - LÍNGUA PORTUGUESA, 2001).

Tais discussões se tornam ainda mais espinhosas quando pesquisas recentes revelam que cerca de 68% das pessoas com mais de 15 anos são analfabetos funcionais , isto é, não sabem ler nem escrever satisfatoriamente, pois no momento em que diminui o número de indivíduos fora da escola, aumenta a responsabilidade da mesma diante destes números. A maioria dos 68% descritos acima está ou já passou por uma sala de aula: é a confirmação de que o fenômeno da “crise na linguagem” ainda persiste em nossa realidade escolar.

1.1 As possíveis causas do fracasso

Se a escola não tem dado conta do recado, qual seria a causa de seu fracasso? Muitos tentaram responder ou pelo menos opinaram a esse respeito. Soares (1986), por exemplo, enumera três fatores ideológicos que por muito tempo nortearam o ensino de LM: a “ideologia do dom”, a ideologia da “deficiência cultural” e, por último, a teoria da “diferença cultural”. Quanto à “ideologia do dom”, acreditava-se que a causa do fracasso no ensino de português era exclusivamente individual (aluno), pois todos partiam exclusivamente do mesmo ponto. Em relação à ideologia da “deficiência cultural”, o problema era o “déficit cultural”, daí o teor discriminador dessa teoria, justificado por um ensino prescritivo, apenas de repasse do conhecimento como a da educação bancária (Cf. FREIRE, 1987). Já com relação a ideologia da “diferença cultural”, a responsabilidade do fracasso seria da escola que baseada numa concepção burguesa de educação, transformava diferença em deficiência.
Por sua vez, Suassuna (2003, p. 19) considera a “escolarização” da língua, por uma pedagogia excludente baseada na concepção do “certo” e do “errado”, como a principal causa do problema. Já Matos e Silva (1998) prefere interpretar essa crise defendendo um olhar menos estigmatizante sobre a escola, não a vendo apenas como reprodutora da classe dominante, mas como uma realidade dialética. Para a autora, o descompasso no ensino da língua provém de uma coisa boa: da democratização da escola, isto é, alunos da classe inferior estão ocupando o banco de uma escola feita para a elite. (Cf. GERALDI, 1985, p. 43).
Sobre essa questão, Castilho (2003) aponta que o maior problema enfrentado pelo professor de LM seria o reconhecimento e a discussão sobre três crises distintas: a crise social, desencadeada pelas profundas mudanças sociais ocorridas no Brasil, responsável pela democratização do ensino; a crise científica configurada pela necessidade de redimensionamento das concepções ou correntes lingüísticas historicamente criadas e, por fim, a crise do magistério fruto das duas primeiras, quando através da crescente desvalorização do magistério criou-se um professor sem as mínimas condições de trabalho e aperfeiçoamento. Parece-nos que, pela natureza das discussões a que nos propomos, a crise científica ganha relevo, pois, “toda atividade pedagógica de ensino do português tem subjacente uma determinada concepção de língua” (ANTUNES, 2003, p. 39).
Nesse sentido, as concepções pedagógicas tradicionais que são veiculadas na escola escondem por trás de si “uma concepção de língua ingênua, segunda a qual haveria uma relação transparente e unívoca entre linguagem e pensamento” (MATENCIO, 2002, p. 66). A conseqüência disso seria o descompasso entre a linguagem da escola e a do aluno, pois num mundo onde os meios de comunicação imperam e a mensagem ganha uma rapidez surpreendente, criou-se novas maneiras de se estruturar os textos que circulam socialmente. É nessa perspectiva que os meios de comunicação em massa (MCM) entram na lista negra da pedagogia tradicional.

2 Verticalização da escrita e as noções de gênero e letramento

Diante de certa “‘verticalização’ da escrita (em anúncios, cartazes, painéis, vídeos), em oposição à ‘horizontalidade’ do livro” (BRAGA, 1979 apud SUASSUNA, op. Cit), pelo fato de vivermos em uma sociedade hipersemiotizada (Moita Lopes, 2002), torna-se urgente “a necessidade de revisar a educação à luz das novas exigências que nos oferece os meios de comunicação social, tanto por seu conteúdo, quanto por suas formas” (GUTIERREZ, 1978 apud SUASSUNA, 2003, p.39), já que os MCM são desprezados pela escola . Dessa forma, parece-nos estar nos estudos sobre letramento e gênero do discurso a possibilidade de aproveitar o potencial dos MCM no ensino do português.
O fenômeno do letramento, tido como um processo sócio-histórico (TFOUNI, 2000) de acesso amplo à palavra escrita e seus efeitos sociais, têm propiciado vários estudos em busca de emancipação como de Viana (2005) caracterizado no campo da leitura, no sentido Freiriano, na medida em que se passou a considerar as realizações lingüísticas como práticas sociais, permeadas por conflitos sociais e ideológicos. Assim sendo, é que Kleiman (1996) vem considerando o fenômeno do letramento como propósito de construção de identidades onde a aprendizagem da língua envolve um processo de aculturação entre grupos antagônicos. Esse processo veiculado através dos gêneros discursivos, que segundo Bakhtin (2002, p.262) “são tipos relativamente estáveis de enunciados definidos pelo conteúdo temático, estilo e construção composicional”, é que tem contribuído decisivamente para o trabalho com várias linguagens na sala de aula, inclusive, a do gênero charge jornalística impressa (VALENTE, GOMES & SANTOS, 2005). O que tudo indica é que a circulação e normatização da noção de gênero passam a ser fundamental, não meramente por ser um ponto de contato entre os vários estudos lingüísticos de bases textual/enunciativo/discursivo (GOMES-SANTOS, 2004) como também pela noção de gênero situar-se entre os domínios textual e discursivo (MAINGUENEAU, 2002), o que realça sua legitimidade como objeto de ensino em práticas didático-pedagógicas de português em diferentes níveis ou ciclos como propõe os PCN – língua portuguesa.
Nesse propósito, a charge jornalística impressa representa não apenas articulação dos MCM e dos vários tipos de linguagens com nossas práticas pedagógicas no ensino da LM, mas permiti-nos também elaborar uma série de discussões necessárias a respeito dos tipos de leitura dos diversos gêneros, do papel da coerência e da coesão na construção dos sentidos e dos fatores que contribuem para a ineficiente didatização de gêneros dessa esfera discursiva.

3 Gênero charge e ensino

Segundo Mendonça (2003), a charge jornalística vem sendo cada vez mais trabalhada como apresentação e crítica da realidade camuflada pela “sombra” do dito e à luz do dizer. Nesse sentido, a charge na sala de aula é antes de tudo um desafio cultural para professores e alunos, pois:

Os MCM não só descentram as formas de transmissão e circulação do saber como também constituem um decisivo âmbito de socialização através dos mecanismos de identificação/projeção de estilos de vida, comportamentos, padrões de gosto. É apenas a partir da compreensão da tecnicidade mediática como dimensão estratégica da cultura que a escola pode inserir-se nos processos de mudanças que atravessam a nossa sociedade (MARTÍN-BARBERO, 1996 apud CITELLI, 2001, p. 22).

Portanto, o trabalho com a charge nas aulas de LM possibilitará a realização de inúmeras atividades que envolvam as discussões sobre gêneros discursivos, fatores de coerência, argumentação, figuras de linguagem, além de constituir um campo fértil para o trabalho transversal e interdisciplinar, condições necessárias para a criação de um leitor crítico da realidade que o rodeia (PCN, op. cit.).
Com relação às estratégias de intervenção/ensino assumimos como concepção metodológica de ensino de gêneros, as postulações oriundas da suíça francófona, mais propriamente os estudos de Schneuwly e Dolz (2004) denominados ”seqüência didática”. Trata-se de
um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero (...), cuja finalidade consiste em ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de maneira mais adequada numa dada situação de comunicação (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 94, grifo do autor).

Um fato interessante que essa concepção teórico-metodologica ressalta, e que orientou a escolha do nosso objeto de ensino/estudo charge, está no princípio de que

O trabalho escolar será realizado, evidentemente, sobre gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira insuficiente; sobre aqueles dificilmente acessíveis, espontaneamente, pela maioria dos alunos [...], as seqüências didáticas servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis” (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 98)

Enfim, nossos procedimentos metodológicos, a seguir, representam a estrutura básica do procedimento “seqüência didática”, como propuseram os autores acima citados.

4 “Seqüências didáticas” com o gênero charge

Módulo 01: Carga Horária 4 h

Assunto: Gênero textual; letramento; tipos textuais e seqüência didática.
Objetivo: avaliar as capacidades já adquiridas e antever as dificuldades com relação à sistematização da seqüência didática; levar o aluno a compreender o significado de letramento relacionando-o aos gêneros e aos tipos discursivos para a construção da cidadania plena.
Prática Pedagógica: apresentação da situação ou domínios discursivos onde os gêneros (charge 01, 02 e 03) circulam (aula expositiva-dialogada); apresentação da seqüência didática e seus objetivos (exposição); discussão sobre os conceitos de gêneros textuais, letramento e tipos textuais e o problema da concepção clássica de gênero à luz das gramáticas tradicionais (exposição).
Resultado Esperado: que a turma construa uma representação da situação de comunicação na qual deve agir e construir um texto (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004); que ao final da aula os alunos consigam entender as diferentes formas de (re) leitura de diferentes gêneros, comentando sobre o fenômeno do letramento.

Módulo 02: Carga Horária 4 h

Assunto: leitura, compreensão e contextualização da charge jornalística 01. (levando em consideração os aspectos geográficos, políticos e de valores ideológicos), discutindo sobre os fatores de coerência e coesão, dando relevo ao fator da intencionalidade.
Charge 01:











O LIBERAL. Atualidades/opinião. Belém terça-feira 10 de janeiro de 2006.

Objetivo: explicar a construção da textualidade envolvendo os princípios da interpretabilidade.
Prática Pedagógica: apresentar e contextualizar a charge 01(aula expositivo-dialogada); inquirir os alunos a formarem e manifestarem seu primeiro ponto de vista com relação ao gênero (chuva de idéias), através do reconhecimento das seguintes “condições de êxito” preconizadas por Maingueneau (2002): nome do gênero : uma finalidade reconhecida, o estatuto de parceiros legítimos (interlocutores), lugar e momento legítimos, um suporte material e uma organização textual (tipos textuais); complementação das leituras pelo professor; identificação dos princípios que possibilitaram tal leitura em particular a intencionalidade. (fazer esquema na lousa)
Resultado Esperado: que os alunos identifiquem e usem os princípios de coerência para uma sadia leitura do gênero em questão e afins.

Módulo 03: Carga Horária 4 h

Assunto: as figuras de linguagem na charge 02, uma leitura a partir do contexto de produção/recepção (história e geografia) culminando com a temática abordada: ética e Política. (transversais)

Charge 02:









AMAZONIA HOJE. Economia. Belém quarta-feira 22 de dezembro de 2005.

Objetivo: averiguar a importância das figuras de linguagem na construção do sentido do texto e suas implicações estilísticas.
Práticas Pedagógicas: apresentar e contextualizar a charge usando os aparatos histórico-geográficos (aula expositivo-dialogada); discutir a temática da charge. (diálogo com os alunos); compreender a importância estilo. (aula expositiva); conhecer os tipos de figuras de linguagens empregados no discurso, no caso metáfora (conceituar utilizando a lousa).
Resultados Esperados: que o aluno compreenda o uso e a leitura da metáfora no gênero em estudo tomando como alicerce o contexto de produção e recepção.

Módulo 04: Carga Horária 4 h

Assunto: argumentação na charge 03. Discussão das temáticas (espaço, política e ética).
Charge 03:










AMAZONIA HOJE. Economia. Belém quarta-feira 28 de dezembro de 2005.
Objetivo: levar o aluno a discutir a temática da charge, compartilhando os aspectos histórico-geográficos em prol da argumentação.
Práticas Pedagógicas: apresentar e contextualizar a charge (aula expositivo-dialogada); incitar os alunos a identificarem o princípio da argumentação no texto (chuva de idéias).
Resultados Esperados: que o aluno depreenda os aspectos ideológicos num texto argumentativo dentro da teoria dos tipos de discursos.

Módulo 05: Carga Horária 4 h

Assunto: produção textual e reflexão sobre a produção (atividades e exercícios).
Objetivo: dar ao aluno a possibilidade de por em prática as noções e instrumentos elaborados separadamente em cada aula (módulo) da seqüência (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004); fazer a avaliação contínua por parte tanto do professor quanto dos alunos.
Práticas Pedagógicas: deixar os alunos a vontade para a produção textual oral, escrito ou icônico-verbal a respeito do conteúdo vistos na seqüência; em caso de texto oral gravar em áudio e transcrever; desenvolver procedimentos de pesquisa, com os alunos, sobre conteúdos ainda não assimilados. (BONINI, 2002).
Resultados Esperados: que o aluno adquira e use os recursos lingüísticos e discursivos estudados na seqüência em seus textos como prática social: que avalie, de forma crítica, sua própria produção; que se familiarize com os princípios da pesquisa e os utilize quando for o caso, em prol da construção do conhecimento.

5 O processo avaliativo em “seqüências didáticas” com o gênero charge

A avaliação, ao longo da história, assumiu estritamente uma prática inócua que dá primazia a prova escrita cujo sentido pauta-se na punição, pressão psicológica, na ameaça e, em muitos momentos, até de “vingança” em relação à postura do aluno na classe.
Em contraposição, faz-se necessário entendermos a avaliação como uma atividade que não existe nem subsiste por si mesma (LUCKESI, 1990), mas como uma medida que serve para o diagnóstico dos resultados que estão sendo buscados e, posteriormente, obtidos.
Convém ainda, que o professor converta cada momento de avaliação num tempo de reflexão sobre a sua prática, construção do saber pelo aluno e dos desafios a serem superados, de modo que se avalie, também, de forma crítica, a validade do próprio ensino oferecido.
A nossa disciplina, pelo leque de atividades que oferece, permite uma grande variedade de instrumentos avaliativos que vão dos conhecimentos lingüísticos (como leitura, interpretação de textos, conhecimentos gramaticais) até a produção de texto (individual e/ou em grupo), perpassando por pesquisas sobre conteúdos lingüísticos, trabalhos criativos de representação teatral, músicas e exposições.
Na perspectiva metodologia, aqui adotada, desenhada por Schneuwly e Dolz (2004), o processo avaliativo perpassa todos as etapas (aulas ou módulos), isto é desde a produção inicial até a final.

Para o professor, essas primeiras produções – que não receberão, evidentemente, uma nota – constituem momentos privilegiados de observação, que permitem refinar a seqüência e modulá-la e adaptá-la de maneira mais precisa às capacidades reais dos alunos de uma dada turma. Em outros termos de pôr em prática um processo de avaliação formativa (...). o professor obtém, assim, informações preciosas para diferenciar, e até individualizar se necessário, seu ensino. A construção modular das seqüências facilita uma tal adaptação.”(SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 102)”,

Nesse sentido, a avaliação será contínua de elementos tais como: responsabilidade, interesse, nível de atuação e de leituras, participação e contribuição em todas as tarefas. Tal apreciação será feita no decorrer das atividades e sistematicamente no final da seqüência com a entrega e socialização de um texto dissertativo sobre os conteúdos abordados.

Algumas reflexões conclusivas

À guisa de conclusão, insistimos na idéia de que a escola precisa se inserir no espaço “hipersemiotizado” que representa hoje nossa sociedade. Isto, de certa forma, possibilitará o mergulho dos alunos nestas novas formas de organização do discurso (gêneros icônico-verbais), que representará não só o domínio destes pelos alunos tornando-os leitores críticos, como também, e de forma complementar, estará se inaugurando uma nova forma de apresentação dessa realidade na sala de aula através de “seqüências didáticas”. Pelas quais o espaço escolar possa representar e/ou criar, de forma autêntica, situações práticas do dia-a-dia dos nossos alunos. Só assim, pensamos numa prática de ensino do Português como prática social.

Referências Bibliográficas

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
BAKTHIN, M. Gêneros do discurso. IN: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BRAGA, M. L. “Lendo o problema da leitura”. s/d. Em: cadernos PUC, Nº 8. são Paulo. Educ / Cortez, pp. 3-10
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais – Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental Língua Portuguesa. Brasília. MEC/SEF, 2001.
CASTILHO, Ataliba. A Língua Falada no ensino do Português. 5ª ed. São Paulo, Cortez, 2003
CITELLI, Adelson (org). Outras linguagens na escola: Publicidade, Cinema e TV, Rádio, jogos, informática. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
GERALDI, João W. O texto na sala de aula. São Paulo, Assoeste, 1985.
MAINGUENEAU. Análise do texto de comunicação. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.
MARCUSCHI, Luiz . Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. IN: BEZERRA (org), Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.
MARCUSCHI, Luiz. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. IN: BEZERRA (org), Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.
MATENCIO, M. Leitura e produção de textos e a escola: reflexões sobre o processo de letramento. Campinas. São Paulo: Mercado de Letras, 1994.
MATOS & SILVA, Rosa V. Diversidade Lingüística, língua cultura e ensino do português. Atlas do Simpósio – Diversidade Lingüística no Brasil, 1998.
O LIBERAL. Atualidades/opinião. Belém terça-feira 10 de janeiro de 2006.
SCHNEUWLY, Bernard e DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e Org. Roxane Rojo e Glaís Cordeiro. Campinas, SP: mercado de Letras, 2004.
SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986.
SUASSUNA, Lívia. Ensino de Língua Portuguesa: Uma abordagem pragmática. Campinas: Papirus, 1995.

MODOS DE DIDATIZAÇÃO DE GÊNEROS DISCURSIVOS EM SOCIEDADES LETRADAS

MODOS DE DIDATIZAÇÃO DE GÊNEROS DISCURSIVOS EM SOCIEDADES LETRADAS



Luís de Nazaré Viana Valente
(UFPA - ABRIL DE 2008)

RESUMO: pretende-se, neste artigo, problematizar os modos de didatização de gêneros discursivos em sociedades letradas. Trata-se de pôr em questão os mecanismos e as instâncias utilizadas na passagem de um gênero do campo do saber para o campo do ensino e suas supostas influências em questões de ordem didático-pedagógicas do ensino de língua materna.

PALAVRAS-CHAVE: didatização; ensino de línguas; gêneros discursivos.

ABSTRACT: It is intended, in this article, to polemize the ways of didacticism of discursive genres in erudite societies. It is aimed to question about the mechanisms and instances used in the transition from a gender of the field of knowledge through that of the field of teaching and their supposed influences on questions of didactical and pedagogical order of the teaching or mother language.

KEYWORDS: didacticism; discursive genders; the teaching or mother language

1. Introdução: propósito geral e lócus de pesquisa

É nosso propósito, neste trabalho, pôr em questão o processo de didatização de gêneros discursivos em sociedades letradas, como a nossa. Trata-se de problematizar os modos e as instâncias utilizadas pelas quais se opera a passagem de um discurso do campo do saber, sua fonte original, para o campo do ensino, representado institucionalmente pela escola formal.
Nosso foco principal é a suposta influência deste processo em práticas de ensino de língua materna. Para tanto, tomamos como ponto de partida para a discussão e problematização de tal processo, o despontar das primeiras conclusões sobre os dados coletados a partir de um projeto, de cunho aplicado (v. MOITA-LOPES, 2002), coordenado e desenvolvido por nós sobre a percepção do processo ensino-aprendizagem de língua materna nas escolas públicas no município de Cametá – PA.
Entre as discussões traçadas a respeito dos principais problemas encontrados em práticas de ensino do contexto pesquisado, enfocaremos tão-somente aqueles relacionados a tomada de gêneros de suas fontes originais como objetos de ensino, por representarem, a partir de nossos dados, fontes de maiores dificuldades e problemas no ensino atual do português.
Ainda assim, não nos parece inútil focalizar o processo conjuntural em que tais gêneros acontecem, assim como a teorização de novos e sofisticados processos de letramento em sociedades hipersemiotizadas. (MOITA-LOPES, 2004).

2. O ensino de língua materna: reflexões críticas

O ensino de língua materna (doravante LM) tem sofrido incessantes críticas quanto a sua eficácia, pelo menos quando se espera que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas mais variadas situações comunicativas (PCN – 3°. e 4°. Ciclos, 1998), já que pesquisas tem demonstrado que enquanto a escola amplia sua atuação, desencadeando a chamada democratização do ensino (v. GERALDI, 1986 e MATOS e SILVA, 1998), o número de analfabetos funcionais, isto é, das pessoas que não conseguem ler nem escrever satisfatoriamente continua acima do esperado .
Se a escola não tem dado conta do recado, qual seria a causa de seu fracasso? Muitos tentaram responder ou pelo menos opinaram a esse respeito. Soares (1986), por exemplo, enumera três fatores ideológicos que por muito tempo nortearam o ensino de LM: a “ideologia do dom”, a ideologia da “deficiência cultural” e, por último, a teoria da “diferença cultural”. Quanto à “ideologia do dom”, acreditava-se que a causa do fracasso no ensino de português era exclusivamente individual (aluno), pois todos partiam exclusivamente do mesmo ponto. Em relação à ideologia da “deficiência cultural”, o problema era o “déficit cultural”, daí o teor discriminador dessa teoria, justificado por um ensino prescritivo, apenas de repasse do conhecimento como a da educação bancária (Cf. FREIRE, 1987). Já com relação a ideologia da “diferença cultural”, a responsabilidade do fracasso seria da escola que baseada numa concepção burguesa de educação, transformava diferença em deficiência.
Por sua vez, Suassuna (2003, p. 19) considera a “escolarização” da língua, por uma pedagogia excludente baseada na concepção do “certo” e do “errado”, como a principal causa do problema. Já Matos e Silva (1998) prefere interpretar essa crise defendendo um olhar menos estigmatizante sobre a escola, não a vendo apenas como reprodutora da classe dominante, mas como uma realidade dialética. Para a autora, o descompasso no ensino da língua provém de uma coisa boa: da democratização da escola, isto é, alunos da classe inferior estão ocupando o banco de uma escola feita para a elite. (Cf. GERALDI, 1985, p.43).
Sobre essa questão, Castilho (2003) aponta que o maior problema enfrentado pelo professor de LM seria o reconhecimento e a discussão sobre três crises distintas: a crise social, desencadeada pelas profundas mudanças sociais ocorridas no Brasil, responsável pela democratização do ensino; a crise científica configurada pela necessidade de redimensionamento das concepções ou correntes lingüísticas historicamente criadas e, por fim, a crise do magistério fruto das duas primeiras, quando através da crescente desvalorização do magistério criou-se um professor sem as mínimas condições de trabalho e aperfeiçoamento. Parece-nos que, pela natureza das discussões a que nos propomos, a crise científica ganha relevo, pois, “toda atividade pedagógica de ensino do português tem subjacente uma determinada concepção de língua” (ANTUNES, 2003, p. 39).
Nesse sentido, as concepções pedagógicas tradicionais que são veiculadas na escola escondem por trás de si “uma concepção de língua ingênua, segunda a qual haveria uma relação transparente e unívoca entre linguagem e pensamento” (MATENCIO, 2002, p. 66). A conseqüência disso seria o descompasso entre a linguagem da escola e a do aluno, pois num mundo onde os meios de comunicação imperam e a mensagem ganha uma rapidez surpreendente, criou-se novas maneiras de se estruturar os textos que circulam socialmente. É nessa perspectiva que os meios de comunicação em massa (MCM) entram na lista negra da pedagogia tradicional.

3. Estudos contemporâneos sobre letramento e gêneros do discurso

Os estudos sobre gêneros discursivos no Brasil ganharam envergadura, por um lado, a partir da normatização oficial de ensino de Língua Portuguesa com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN, 1998) e, por outro lado, na tentativa de muitos teóricos influenciados pelos estudos genebrinos sobre gênero de contribuir, no Brasil, com pesquisas e referenciais de fôlego para dar suporte e autenticidade ao trabalho com gênero na sala de aula e, ao mesmo tempo, no desenvolvimento da própria teoria a partir de um olhar etnográfico ao processo de produção-recepção de gêneros discursivos em práticas escolares (v. GOMES-SANTOS, 2004ª, 2004b, 2005, 2006).
Além dessas propostas, destacam-se ainda, os importantes estudos da segunda fase da escola francesa na figura principal de Dominique Maingueneau (2001, 2002), cujo trabalho enriqueceu, no âmbito aplicado, o tratamento dos gêneros discursivos numa perspectiva enunciativo-discursiva, tendo como contribuição a noção de “condições de êxito” dos gêneros socialmente construídos, tais como: finalidade reconhecida, parceiros legítimos, lugar e momento legítimos, suporte material e uma organização textual (tipos textuais)
Na verdade no dizer de Marcuschi (In: BEZERRA et. al., 2004), a noção de gêneros discursivos traz uma extraordinária oportunidade de se lidar com a língua nos seus mais variados usos sociais. A partir dessa concepção pôde-se abrir uma série de discussões a respeito da noção de texto como objeto de interação e de ensino, o que propiciou ou contribuiu decisivamente para o fim do equívoco traçado historicamente entre os conceitos de gêneros e tipos textuais.
Contemporaneamente, depois da grande contribuição bakhtiniana, no que diz respeito a concepção de gêneros discursivos como “tipos relativamente estáveis de enunciados definidos pelo conteúdo temático, estilo e construção composicional”(BAKHTIN, 1999, p.254), e de outros autores como Schneuwly e Dolz (1994), Marcuschi parece sintetizar de forma clara e coerente, a definição entre tipos e gêneros do discurso.
Segundo o autor:

Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição [...]: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção.
Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdo, propriedades funcionais, estilo e composição característica.” ( p. 22, grifo do autor).

A respeito dos estudos sobre letramento está a necessidade de rever os procedimentos escolares sobre/como a língua, quanto aos indivíduos que a usam e ao processo histórico e ideológico da sociedade a qual pertencem. Assim, o letramento é um processo cuja natureza é sócio-histórica (TFOUNI, 1995) e que ultrapassa os muros da escola e da alfabetização entendida como o “domínio ativo e sistemático das habilidades de ler e escrever” (MARCUSCHI, 2002, p. 12).
Dessa forma, tem-se o fenômeno do letramento como acesso amplo à palavra escrita e principalmente aos seus efeitos sociais, ideologias, identidades e valores sociais. Logo, pensar em letramento é também pensar criticamente no modelo de escola que queremos, e, pensar na escola que queremos (principalmente com relação à língua) é evidenciar a presença da oralidade e da escrita na sociedade como práticas discursivas, até mesmo oriunda daqueles que nunca passaram pela escola. È a esse fenômeno que se convencionou chamar de práticas de letramento o que significa ter cuidado com a relação deste com o processo de escolarização e alfabetização, pois letramento não equivale necessariamente a aquisição da escrita. Existem letramentos sociais que surgem à margem da escola como bem frisou Marcuschi (2002) é esse o motivo pelo qual Street (1989) pluralizou o termo para “letramentos” e Kleiman (1994) para “modelos de letramento”.
É esse modelo de letramento que permeia os mais variados contextos do dia-a-dia assim como em cada contexto os objetivos desse processo são também vários o que justifica dizermos que a relação entre escrita e seus contextos sempre existiram e sempre existirão fazendo surgir os gêneros textuais, como “dispositivos de comunicação que só podem aparecer quando certas condições sócio-históricas estão presentes” Maingueneau (2004, p. 618).

4. Verticalização da escrita e as instâncias de didatização de gêneros ensinados

Diante de certa “‘verticalização’ da escrita (em anúncios, cartazes, painéis, vídeos), em oposição à ‘horizontalidade’ do livro” (BRAGA, 1979 apud SUASSUNA, op. Cit,), pelo fato de vivermos em uma sociedade hipersemiotizada (MOITA LOPES, 2002), torna-se urgente “a necessidade de revisar a educação à luz das novas exigências que nos oferece os meios de comunicação social, tanto por seu conteúdo, quanto por suas formas” (GUTIERREZ, 1978 apud SUASSUNA, 2003, p.39), já que, nossos dados mostraram que os MCM são desprezados pela escola . Entretanto, parece-nos está nos estudos sobre letramento, gênero do discurso e no processo de didatização de tais gêneros a possibilidade de aproveitar o potencial dos MCM no ensino do português.
Em seu livro, A estruturação do discurso pedagógico: classe, código e controle, Bernstein (1977), argumenta que há uma espécie de:

Recontextualização do discurso pedagógico que se dá primeiramente através de um processo de descontextualização de qualquer discurso científico de sua fonte original, a fim de que possa por processos de seleção, simplificação, condensação e elaboração, para configurar em materiais didáticos (apud BRANDÃO et al, 2003, p. 12, grifo nosso).

Ainda segundo Bernstein (op. cit., p.) o discurso pedagógico, longe de sua fonte original ganha um perfil regulativo, institucional. Sobre a mesma questão Magda Soares (2003), fazendo a relação entre a literatura e a escola, caracteriza tal processo como escolarização. Segundo a autora não há como haver escola sem escolarização e que, portanto não é a escolarização “que deve ser negada, mas a inadequada, a errônea, a imprópria escolarização” [...], isto é, “a escolarização que deturpa, desvirtua, falsifica” o gênero apagando seu caráter ideológico tanto discutido por Bakhtin (1979) e que acaba criando o que Mendonça (In: MUSSALIM & BENTES, 2001) chama de política de fechamento.
Com relação ao propósito deste trabalho, o que nos interessa aqui é a verificação de que as fronteiras móveis de um gênero entre seus múltiplos campos de realização, modificam-se quando esse mesmo gênero passa a integrar o campo do ensino (v. GOMES-SANTOS, 2005), isto é, os gêneros modificam-se ao passarem do campo do saber para o campo do ensino. E mais, essa modificação perpassa por perspectivas de didatização, como: a apropriação – quando a escola se apropria de um gênero, em outras palavras, pedagogiza-o, e, por outro lado; a produção - quando um gênero é produzido para a escola, como por exemplo, os manuais didáticos (BRANDÃO et. al., 2003). Além disso, temos ainda as instâncias de didatização que estão, necessariamente, embutidos nas perspectivas acima, Trata-se desde a disponibilização dos gêneros em bibliotecas, salas de aulas, escolha dos gêneros etc., até o reconhecimento pelo professor de características como: a finalidade, suporte material, organização textual, enfim das “condições de êxito” de Maingueneau já citadas aqui.
No campo da apropriação e produção sobre gêneros na escola, o que observamos foi a predominância de gêneros clássicos, isto é, trecho muitas vezes descontextualizados de obras da literatura clássica, extraídos quase sempre do livro didático (doravante LD) o que acaba legitimando apenas o trabalho com a modalidade escrita na sala de aula. Já no campo da produção de gêneros na escola encontramos um trabalho, na maioria dos casos, artificial com a linguagem, pautado em escrituras de redações com temas cristalizados do tipo, “minhas férias”, “a fazenda da vovó”, entre outros. Além da falta de um interlocutor possível justificando a presença do hábito de apenas produzir textos na sala de aula para treinar regras gramaticais. (SUASSUNA, 1995).
Nossas primeiras reflexões sobre as instâncias de didatização apontaram basicamente para três direções: a disponibilização de livros nas bibliotecas das escolas; o papel dos manuais didáticos no ensino do português, e; o processo de leitura e produção de gêneros na sala de aula.
Com relação a disponibilização dos acervos em bibliotecas escolares, nossa primeira instância, constatou-se na grande maioria dos casos, a descaracterização do termo biblioteca como lugar recreativo de leitura em função de um lugar apenas de armazenamento dos livros (depósito). Segundo Viana e Viana (2006), a biblioteca tem, em muitas escolas, apenas a função de guardar os livros didáticos, aliás únicos acervos das mesmas. Trata-se de um lugar pequeno e sem as mínimas condições de realização de leitura, onde o aluno geralmente não tem acesso.
Na verdade, em se tratando de escola pública, o que se pode perceber, é que tanto os professores como o alunado ainda não têm acesso a muitos bens culturais como livros e revistas, por exemplo. Logo, a falta de uma biblioteca digna de um espaço de leitura e pesquisa, torna-se um grave problema para que se tenha uma prática didática eficiente comprometendo, de fato, o processo de didatização dos gêneros que socialmente circulam em cada esfera discursiva.
Um outro elemento importantíssimo que afeta diretamente a dinâmica do ensino de língua materna são os manuais didáticos, a segunda instância. Tanto os relatos dos professores, quanto a observação de suas práticas demonstraram o apego incondicional o livro didático, ou melhor dizendo, a um livro didático.
Gonçalves (2006), por exemplo, cita o papel do livro didático para os professores entrevistados:

Para a professora A, que afirmou utilizar apenas um LD, este é um imprescindível [...], pois os alunos não possuem poder aquisitivo. Já a professora B ressaltou que ao escolher contextos pra trabalhá-los, retira-os de vários LD e procura vários gêneros com a finalidade de passar para o aluno esta diversidade de gêneros textuais. (GONCALVES, op. Cit., p. 7).

E ainda, Viana e Viana (2006) argumenta que a “má didatização do ensino e a descontextualização andam de mãos dadas no LD, o que desfavorece a leitura como construção dos sentidos”. (p.13).
Com efeito, as duas primeiras instâncias descritas acima influenciam diretamente a terceira, a leitura e produção de gêneros na sala de aula. Para Viana e Viana (op. Cit,) as observações efetivadas na sala de aula ainda demonstram a tendência de um ensino prescritivo, pautados no ensino de regras gramaticais em frases isoladas, em outras palavras, a ausência da perspectiva discursiva proposta nos PCN, com a instituição de gênero como objeto de ensino a partir dos eixos USO/REFLEXAO. É o que se observa numa proposta de atividade de uma professora da 6ª série da escola estudada: “após a chamada diz que vão fazer exercício de revisão do sujeito [...] [a professora dita a questão] que é produzir dez frases para cada tipo de sujeito” (VIANA E VIANA et al., 2006, p. 7).
Daí a necessidade de pesquisas aplicadas em nossa realidade escolar com o intuito de gerar conhecimentos que fomentem tantos os problemas específicos relacionados ao ensino de línguas como na formação do professor, pois como demonstramos neste estudo, sua contribuição é decisiva para o redimensionamento de sua prática, pelo menos nas duas últimas instâncias de didatização mencionadas.

5. Algumas reflexões conclusivas

De posse dos primeiros dados de nossa investigação, duas reflexões parecem ser pertinentes para o momento.
A primeira diz respeito a importância e o reconhecimento das instâncias de didatização e de todo o conhecimento daí gerado que, por um lado, direcionam nossa atuação concreta com vistas ao redimensionamento das práticas atuais problemáticas, e , por outro lado, possibilitam o amadurecimento das pesquisas desta natureza através de atividades como geração, armazenamento e tratamento dos dados.
A segunda, ainda que complementar da primeira, refere-se ao fato de que tais conhecimentos contribuem para a formação de um professor/pesquisador crítico de seu contexto de atuação e do seu objeto de ensino e trabalho.


REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé (2003). Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial.
BAKHTIN, M (1979). Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem [1929]. São Paulo: HUCITEC.
______ (2003). Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal [1952-3]. São Paulo: Martins Fontes.
BRANDÃO, M. et ali (org.) (2003). Escolarização da Leitura Literária. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica.
BRASIL, (2001). Parâmetros Curriculares Nacionais – Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental Língua Portuguesa. Brasília. MEC/SEF.
GOMES-SANTOS, S. N (1999). O gesto de recontar historias: gêneros discursivos e produção escolar da escrita. Dissertação (Mestrado). Instituto de estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas.
______. (2003). Recontando histórias na escola: gêneros discursivos e produção da escrita. São Paulo: Martins Fontes.
______ (2004a). A questão do gênero no Brasil: teorização acadêmico-científica e normatização oficial. Tese (Doutorado em Lingüística). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas.
______ (2004b). A circulação de saberes no domínio acadêmico-cientifico: o conceito de gênero em/como questão. In: COVRE, A. (orgs.). Quimera e a peculiar atividade de formalizar a mistura do nosso café com o revigorante cha de Bakhtin. São Carlos (SP): Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso - GEGE,.
______ (2005). A circulação de saberes no domínio dos estudos da linguagem brasileiros: por que o conceito de gênero e não outro em seu lugar? In: Sínteses. Campinas, SP: Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas
______ (2006a). “Preciso me manter imparcial”: saberes sobre gênero em práticas de letramento escolar. In: Anais do Congresso Internacional Linguagem e Interação. São Leopoldo, RS: UNISINOS.
GONCALVES, I. et. al. (2005b). O ensino do português do 3 e 4 ciclos. relatório de pesquisa. Cameta-PA: UFPA/CUNTINS. (mimeo)
KLEIMAN, Ângela (1995). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras.
MAINGUENEAU (2002). Análise do texto de comunicação. 5ª ed. São Paulo: Cortez.
MARCUSCHI, Luiz (2002). Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. IN: BEZERRA (org), Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna.
MOITA-LOPES, L. P (2002). Oficina de Lingüística Aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras.
ROJO, R. H. (org.) (2001b). A prática de linguagem em sala de aula – praticando os PCNs. São Paulo: EDUC; Campinas, SP: Mercado de Letras.
SCHNEUWLY, Bernard e DOLZ, Joaquim (2004). Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e Org. Roxane Rojo e Glaís Cordeiro. Campinas, SP: mercado de Letras.
SUASSUNA, Lívia (1995). Ensino de Língua Portuguesa: uma abordagem pragmática. 6ª ed. Campinas – SP: Papirus. – (Coleção Magistério: formação e trabalho pedagógico)
TFOUNI, Leda (1995). Letramento e Alfabetização. São Paulo: Cortez. (coleção questões da nossa época, 47)
VIANA e VIANA, Marizete et al (2006). A percepção do processo ensino-aprendizagem do português – o livro didático na sala de aula. Relatório de pesquisa/estágio supervisionado. Cametá-PA, UFPA. (mímeo).

IMPLICAÇÕES DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA PARA PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

IMPLICAÇÕES DA VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA PARA PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Prof. Luís Valente (UFPA- junho de 2008)

Desfazendo um mito: o da unidade lingüística do Português do Brasil
Nos dias de hoje tem crescido o número de publicações, artigos e reflexões sobre a falácia da unidade do Português do Brasil, sobretudo do ponto de vista atual e imediato das realizações lingüísticas. Esses estudos sincrônicos têm como argumento a variedade das formas encontradas no uso real da língua, o que já é suficiente para o desmoronamento do mito. Entretanto, para liquidar de vez com a questão, não considero desnecessária uma abordagem histórica sobre o caso, pelo contrário, penso que seria tomar o problema pela sua causa, isto é, pela sua raiz. È o que começarei fazendo, embora mais tarde tenha que retomar ao aspecto sincrônico por intermédio de uma abordagem sociolingüística.
Para começar, vale ressaltar que desde a colonização do Brasil, sempre houve influências políticas no tratamento das questões lingüísticas. Pode se dizer, por exemplo, que a tentativa de homogeneização lingüística no Brasil, vem desde o trabalho catequético dos jesuítas já no século XVI, quando o então Padre Anchieta, talvez sem se dar conta, colaborou para a extinção de muitas línguas indígenas existentes no litoral do Brasil, mais precisamente na faixa que vai hoje do Pará ao Paraná como afirmou MATOS e SILVA (1999). Nesse sentido, percebe-se a forte influência dos jesuítas nas escolas quanto ao uso lingüístico, ou seja, desde aquela época já se valorizava a língua do colonizador em detrimento a do colonizado.
Essa situação se acentua em 1757 quando Marquês de Pombal proíbe por lei o uso de quaisquer outras línguas a não ser a Portuguesa, além de criar a primeira rede leiga de ensino e expulsa os jesuítas do Brasil. O resultado de tudo isso foi a criação de uma nova política lingüística e cultural brasileira, talvez a primeira no sentido institucional com a obrigatoriedade da Língua Portuguesa: eis o embrião do mito da unidade lingüística brasileira.
Nos anos seguintes, com os indígenas, já em número reduzido, recuados para o interior e os negros sem nenhum direito nas senzalas, firmou-se a Língua Portuguesa como língua nacional fortalecida pela crescente urbanização e consolidação da escola, principalmente a partir de 1908 com a vinda da família real para o Brasil.
Esse pensamento aristocrático colonial passou pelo Brasil independente e continua até hoje na concepção de alguns gramáticos como Darcy Ribeiro quando escreveu: “è de assinalar que, apesar de feito pela fusão de matrizes tão diferenciadas; os brasileiros são hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente (...)” (apud BAGNO 2002 p. 15).
Entretanto, paralelo a essa teimosia no desconhecimento de um Brasil pluriétnico, pluricultural e plurilíngüe, surgem os avanços dos conhecimentos lingüísticos a partir da segunda metade do século XX, favorecendo o desfazer-se do mito, contando, de um lado com os estudos dialetológicos diatópicos de Serafim da silva Neto e Celso cunha na década de 60 responsáveis pelas primeiras pesquisas de campo no Brasil rural e por outro, pelos avanços dos estudos sociolingüísticos urbanos nos anos 80, iniciado no Rio de Janeiro sob a responsabilidade de Antônio NARO.

O reconhecimento das variedades lingüísticas
Luiz Carlos TRAVAGLIA (2001), em sua obra Gramática e Interação talvez tenha sido quem mais se preocupou com o fenômeno da variação lingüística numa proposta classificatória e didática para o 2º grau. Segundo o autor, a variação pode ser classificada do ponto de vista do falante. Assim, tem-se a variação dialetal que está em função dos aspectos como: territorial, social, idade, sexo, geração, etc. Considerando como o uso da língua pode ser manifestada pelo falante, TRAVAGLIA (2001), cita a variação de registro, que por sua vez está condicionada, por exemplo, pelo grande formalismo apresentado num determinado discurso.
Magda SOARES (1986), também escreveu sobre o assunto, porém, numa perspectiva mais social. Para a autora, a variação pode se dar em decorrência de diferenças sociais, espaciais e de registro.
Contudo, tomarei para este estudo uma postura um tanto fiel à sociolingüística variacional que a meu ver, contempla as classificações acima de TRAVAGLIA e SOARES, não só pela natureza deste ramo da lingüística em lidar com variáveis, mais acima de tudo pelo poder de visibilidade do fenômeno estranhado no seio social e conseqüentemente na relação concreta imediata das condições de produção e uso da linguagem, além da possibilidade de trazer grandes benefícios para o ensino.
Tomando Fernando TARALO (1997), com referência para apreciação da variação lingüística numa perspectiva variacionista, pode-se dizer que o fenômeno variacional tende a sofrer influências de fatores de natureza lingüística (internas) e sociais (externas).
Com relação aos fatores lingüísticos capazes de influenciar na variação pode-se destacar a natureza da variável, a posição do grupo de força, o número de sílabas de palavras e etc.. Enquanto como fatores sociais podemos ter: o sexo, procedência, faixa etária, etc.
Ressalte-se ainda, o peso constante dos fatores externos presentes na variação lingüística. Algumas vezes, os dois fatores (externos e internos) são usados para melhor explicar o fenômeno da variação que lingüisticamente pode ser manifestada em três níveis: fonológico, sintático e semântico.
Vejamos:
1. Variação no nível fonológico
[‘butu] [‘botu]
[pesvi] [peisvi]
[minina] [menina]

2. Variação no nível sintático
Não vi ela hoje. Não a vi hoje.
Nós vai . Nós vamos.
Eu vi o menino que o pai dele é pedreiro. Eu vi o menino cujo pai é pedreiro.

3. Variação no nível semântico
Receita Bula
Bago de remédio Comprimido
Cabidela Frango à molho pardo

Os exemplos acima de fictícios nada têm, uma vez que ocorrem naturalmente pelo menos na região do Baixo Tocantins. Estudos recentes, tendo como objeto de estudos os falares dos ribeirinhos cametaenses. Refiro-me mais precisamente ao trabalho da colega Carla Faial, intitulado: Preconceito Lingüístico: um estudo sobre o comportamento e atitudes acera do fenômeno r > l. (TCC, 2001, orientado pelo professor Ms. Orlando CASSIQUE), têm evidenciado a presença do dialeto amazônico, denominado pelo professor Serafim da SILVA NETO “Canua cheia de cucu carregadu de pupa a prua”, no dizer de CASSIQUE. Frente a isso, comprova-se o que diz BARTONI (In: KLEIMAN, 2003 p. 122), que o Brasil vive um estado de diglosia sem bidialetismo extensivo, ou seja, existem variedade padrão e variedades não-padrão sem que os falantes tenham o domínio de ambas. Eis aqui uma pergunta: e a escola?, o que tem feito a esse respeito? De imediato BARTONI parece já ter respondido a questão, pois se não há bidialetismo e os falantes se comunicam naturalmente apenas nos dialetos não-padrão a escola não tem feito seu dever se casa.

O reconhecimento da crise no ensino da Língua Portuguesa
Se a escola não tem dado conta do recado, qual seria a causa de seu fracasso? Muitos tentaram responder ou pelo menos opinaram a esse respeito.
SOARES (1986), por exemplo, cita algumas possíveis causas da configuração do quadro atual nada animador do ensino da Língua Materna. A autora inicia com “ideologia do dom”: por muito tempo acreditava-se que a causa do fracasso no ensino do Português era exclusivamente individual (aluno), pois todos partiam exclusivamente de um mesmo ponto. Em seguida, a autora, menciona a ideologia da “deficiência cultural”. Essa causa, além de discriminadora, justificava um ensino prescritivo, apenas de repasse de conhecimento como a da educação bancária (Cf. FREIRE, In: SILVA, 2000 p. 74). Por último, a ideologia da “diferença cultural”, segundo a qual a responsabilidade do fracasso seria da escola que baseada numa educação burguesa de educação, transforma diferença em deficiência. Por sua vez, SUASSUNA (2003 p. 19), considera a “escolarização” da língua por uma pedagogia excludente baseada na concepção do “certo” e do “errado”, a principal causa do problema. Já MATOS e SILVA (1998), prefere interpretar essa crise defendendo um olhar menos estigmatizante sobre a escola, não vendo-a apenas como reprodutora de interesses da classe dominante. Mas, como numa realidade dialética. Para a autora, o descompasso no ensino da língua provém de uma coisa boa: da “democratização” da escola, isto é, alunos da classe inferior estão ocupando cada vez mais o banco de uma escola feita para a elite. (Cf. GERALDI: 1985, p. 43)

Variação e escola
Segundo GERALDI (1985), a escola não está preparada para o recebimento de um público tão diversificado. O autor ressalta que “a democratização da escola, ainda que falsa, trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas” (p. 43). MATENCIO acrescenta dizendo que “com a democratização da rede pública de ensino (...) as mudanças ocorreram apenas no fato infra-estrutural e não na alteração dos objetivos e práticas educacionais” (p. 75). Ainda segundo a autora, essa seria a justificativa para o elevado índice de repetência e evasão escolar a parir da década de 70.
Estudos sociolingüísticos como os de CASSIQUE (2003) têm mostrado essa falta de diálogo da escola com as diferenças, como se observa nos resultados abaixo:

Tabela 13. Escolaridade: (CASSIQUE: 2003)
PERCENTUAL PESO RELATIVO
Analfabeto 274/536 = 51,1% . 81
Ensino fundamental 135/536 = 25,2 % . 45
Ensino médio 135/536 = 23,7 % .19

Evidencia-se nas primeiras conclusões de CASSIQUE, relacionado ao alteamento /o/ > /u/ na cidade de Breves, a influência da escola na diminuição desse traço característico do amazônida. Isso significa a estigmatização da própria identidade lingüística em função da variedade padrão, pois a linguagem não só reflete o lugar social de quem fala, mas faz parte desse lugar. No dizer de Deborah CAMERON (1995):
“A identidade não pré-existe à linguagem. Falantes têm que marcar suas identidades assídua e repetidamente”. Dessa forma a escola precisa deixar de ser normalista ou anormalista e passar a ser plurinormalista, em outras palavras, a escola precisa deixar de cultuar apenas uma norma, ou nenhuma, mas conviver com todas.

A solução para um impasse e a contribuição da sociolingüística
Num modelo de sociolingüística baseada na estrutura social como determinante para o comportamento lingüístico, BERNSTEIN (1971) fala em código elaborado, proveniente da classe média e código restrito, oriundo da classe trabalhadora. O autor afirma que a escola se preocupa com a transmissão de significados universais, usa e quer ver usado o código elaborado, daí a limitação da classe trabalhadora.
Por outro lado BARTONI numa linha de pesquisa mais variacionista e tendo a escola como a principal entidade responsável pelo trabalho com a norma padrão, pesquisou as unidades discursivas presentes na sala de aula. Para tanto, delimitou para sua elaboração três eventos de fala: 1) fala espontânea; 2) fala expositiva; 3) evento IRA (iniciação, resposta, avaliação) e 3) leitura.
As primeiras conclusões podem ser verificadas na tabela abaixo:

Tabela 5 – Tipos de eventos (BARTONI, 2003)
Aplicação/Total Freqüência Peso relativo
Evento 1 587/1009 58 % . 39
Evento 2 748/1198 62 % . 43
Evento IRA 205/280 73 % . 52
Evento 3 422/447 94 % . 86

A partir desses dados pode-se detectar a importância da leitura para o ensino da Língua Materna na sala de aula, como elemento responsável pelo acesso a norma culta.

Considerações finais e implicações pedagógicas
Percebe-se que os estudos de natureza sociolingüística têm muito a contribuir com a escola, principalmente porque mostram que a escola ainda não aprendeu a trabalhar com as diferenças dialetais.
È possível, portanto, notar que a escola como um fator extralingüístico, aparece dentro dos estudos sociolingüísticos (vide BARTONI op. cit), facultando a sociolingüística não só a contribuir nos projetos de ensino-aprendizagem de línguas numa perspectiva mais humana e menos estigmatizante, como também para fornecer dados (suporte) para a criação de políticas lingüísticas, que para o professor Mestre CASSIQUE “são formas concretas de atuação institucional em termos de linguagem verbal dos agrupamentos humanos” (cf. SOARES, 1986; KLEIMAN, 2003)
Nesse sentido, MATOS e SILVA (1998) argumenta que a escola deverá ter uma organização curricular diferenciada para melhor atender a diversidade sociocultural e sociolingüística da população que a serve.
Por outro lado, MATENCIO (op. cit.) adverte para a qualidade da formação linguístico-pedagógico do professor, deixando-o a par das descobertas científicas recentes e a inclusão destas nas práticas em sala de aula.
Um exemplo desse último fator proposto por MATENCIO é o desenvolvimento da lingüística textual com os estudos sobre gêneros do discurso, que ao meu ver precisa ser urgentemente adotado como suporte para o trabalho no ensino do Português, não só pela anulação do grande equívoco causado pela confusão entre gêneros e tipos textuais, mas sobre tudo pelo seu potencial capaz de abarcar a língua nas suas mais diversas realizações no seio social, além de dar conta de sérios problemas com relação à abordagem textual em sala de aula. (vide BAKHTIN, 2003; MARCUSCHI, 2002 e SEF, 2001)

Referências bibliográficas:
BARTONI, Stella Maris. Variação Lingüística e Atividade de Letramento em Sala de Aula. In: KLEIMAN, B. Ângela. Os Significados do Letramento. Campinas: Mercado de Letras, 2003.
MATTOS & SILVA. Rosa V. (1998) Diversidade Lingüística, Língua de Cultura e Ensino do Português. Atas do Simpósio – Diversidade Lingüística no Brasil.
SOARES, Magda. (1986) Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática.
TRAVAGLIA, Luís Carlos. A Variação Lingüística e o Ensino da Língua Materna. In: ____________ Gramática e Interação. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
SUASSUNA, Lívia. Ensino de Português: uma abordagem pragmática. Campinas: Papirus, 1995.
MARCUSHI, L. A. (2002) Gêneros Textuais: definições e funcionalidade. In: Bezerra, M. A. Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna.
SEF, Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa. MEC: Brasília, 2001.

LITERATURA INFANTIL NA SALA DE AULA: QUESTÕES TEÓRICAS E APLICADAS

LITERATURA INFANTIL NA SALA DE AULA: QUESTÕES TEÓRICAS E APLICADAS

Luís de N. Viana Valente
Universidade Federal do Pará - janeiro de 2007 (aula 05)

Resumo: A proposta deste artigo é relacionar, a partir de uma visão holística, literatura infantil e ensino. Para tanto, faz-se necessário, no primeiro momento, a discussão sobre a problemática inerente a sua natureza, formação e conceito. Em seguida, adota-se uma postura mais aplicada correlacionando arte e ensino e algumas implicações pedagógicas.

Palavras-chave: Literatura infantil, escolarização, praticas de ensino.


Literatura infantil: conceito e histórico

Os estudos de Literatura Infantil têm logo de cara o confronto com duas questões fundamentais: será que existe mesmo literatura infantil? Em caso afirmativo como deve ser conceituada?
Essas questões se tornam mais espinhosas, quando nos deparamos atualmente com inúmeras e variadas produções gráficas destinadas a criança, principalmente nos países industrializados, abrangendo uma grande massa destinada à alfabetização, assim como vem crescendo a produção de livros específicos denominados pelo mercado de Literatura Infantil.
Pelo simples fato desta última produção ter como pretensão recrear, divertir ou emocionar as crianças, as respostas para as indagações iniciais já não serão tão simples assim, quando se coloca a “eficácia” dessa produção como Literatura Infantil, pois no dizer de Goes (1990), a idéia de eficácia envolve juízos de valores de ordens: estética, pedagógica, ideológica, etc, dependendo dos valores de quem os omite.
Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, em sua obra Confissões de Minas (1964), deu seu parecer a respeito quando escreveu:

O gênero Literatura Infantil tem a meu ver existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de ser alimento para a alma de uma criança ou um jovem e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro para crianças que não seja lido com interesse pelo homem feito? (...) Observados alguns cuidados de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança um ser à parte? Ou será a Literatura Infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado – Porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância?

Evidencia-se nas palavras de Drummond, o mérito que um bom livro pode apresentar, por servir tanto a criança quanto ao adulto. Logo, pode-se concluir, que para o autor Literatura Infantil é antes de qualquer coisa, “Literatura”, isto é, “mensagem de arte, beleza ou emoção” (Goes, op. cit.), considerando o fato de poder causar satisfação tanto à criança quanto ao adulto, assim, presumi-se que a “redução do homem” a que se referiu Drummond, encontra-se nos livros que não são Literatura Infantil, mas “pueril”, que segundo Goes (1990), são “obras carregadas de diminutivos, piegas, onde transparece falsa simplicidade, com ação e diálogos artificiais” p. (03).
Com a mesma preocupação a cerca da existência ou não da Literatura Infantil, Cecília Meireles (1979), ensina-nos que:

Evidentemente, tudo é uma Literatura só. A dificuldade está em delimitar o que se considera especialmente ‘do âmbito infantil’. São as crianças na verdade quem o delimitam com sua preferência. Não haveria, pois, uma literatura infantil ‘a priori’, mas ‘a posteriori’.

Ainda quanto à afirmação de que um livro infantil é o livro amado pelas crianças, se olhado mais de perto, pode apresentar problemas, pois não seriam os livros preferidos pelas crianças também amados pelos adultos? A quem caberia, então, o gosto pelos tais livros? A esse respeito o francês Marc Soriano indaga: “pelas crianças mesmas? Mas saberiam elas nos responder? Pelos adultos? Mas que sabem eles de uma juventude que não é mais a sua? Estamos no domínio de consumidores que não são os que pagam”. (apud Goes, p. 13).
De qualquer forma, praticamente em todas sociedades são os adultos que educam as crianças, o que não deve ser usado como premissa para negar à Literatura Infantil sua importância, diminuindo-lhe com adjetivos.
Portanto, tomando emprestado o conceito de Literatura Infantil do professor Laurenço Filho pode-se dizer que: “Literatura Infantil é linguagem carregada de significados até o máximo grau possível e dirigida ou não às crianças, mas que responda às exigências que lhes são próprias”. (Laurenço Filho, apud Goes, op. cit, p. 15).
Assim, compreendendo a Literatura Infantil como um direito da criança à recreação, ao prazer da leitura gratuita e ao sonho, a arte infantil também deve se fazer presente nos bons livros como pretensão de alargar e não de estreitar o mundo da criança. Nesse sentido, em relação à função da Literatura Infantil, vale lembrar as palavras de Maria Antonieta Antunes Cunha:
A Literatura Infantil influi e quer influir em todos os aspectos da educação do aluno. Assim, nas três áreas vitais de homem (atividade, inteligência e afetividade) em que a educação deve promover mudanças de comportamento, a Literatura Infantil tem meios de atuar. (Cunha, 1974, p. 45).

Quanto a sua origem, a Literatura Infantil também divide opiniões. Para alguns, sua origem se confunde com a idade oral do mito:
Para nós a Literatura Infantil tem origem na idade oral do mito (...) não podemos concordar com os que, considerando a literatura tão somente uma fase histórica (...), acham que depende sua eliminação de uma modificação de estrutura social que seria responsável pela sua existência. (GOES, op. cit. p. 55)
Para outros, como Zilberman, a Literatura Infantil só surgiria com a ascensão da ideologia burguesa no século XVIII, quando houve a preocupação especial com a infância. Por isso, segundo a autora, a Literatura Infantil seria um “gênero incompreensível sem a presença de seu destinatário, a Literatura Infantil não poderia surgir antes da infância” (Zilberman, 1985 p. 13)

A literatura Infantil e a escola burguesa

Com as revoluções ocorridas por volta do século XVIII, sobre tudo na França, e a tomada do poder político pela burguesia, uma nova organização social se configura, baseada em valores iluministas que despontaram em oposição ao sistema feudal até então vigente.
A partir desse período, a escola é tomada como um espaço privilegiado para a divulgação dos interesses burgueses, no mesmo momento do surgimento da imprensa utilizada para o mesmo fim: disseminar a ideologia burguesa.
Segundo Zilberman (1985), foi nesse contexto que apareceram os primeiros livros infantis, pois antes disso não havia infância, entendida como um espaço separado do mundo adulto: as crianças faziam parte dos mesmos processos naturais da existência dos mais velhos. (Cf. Zilberman, 1985 p. 44; Aguiar, 2003 p. 251). Essa nova valorização da infância criou a necessidade de produções específicas para um determinado público: eis que surgem os pedagogos responsáveis por essa feitura. Com isso, Literatura Infantil e a escola se consagraram como missionárias dispostas a rezarem o credo a um mesmo deus, isto é, ambas passaram a ter características puramente pedagógicas, pois, a “Literatura Infantil e a escola, inventada a primeira e reformulada a segunda, são convocadas a cumprir essa mesma missão”. (Zilberman, op. cit. p. 13).
Essa “sujeição da arte ao ensino”, que caracterizou a Literatura Infantil como colônia da pedagogia, trouxe sérios problemas para a relação escola/literatura. Um deles foi a descaracterização da Literatura Infantil como arte, pois a mesma acabou sendo considerada com um mecanismo de dominação sobre as crianças.
Porém, essa dominação não aconteceu por acaso, mas foi fruto de uma dominação social que alavancou a valorização da própria vida, onde a família teve sua organização fundada na célula “pai-mãe-filho”, cujas atenções se destinariam de modo específico ao último. Nessa perspectiva, a criança era considerada um ser puro e inocente, diante de um mundo duro e cruel do qual precisaria ser protegido. Pode-se dizer aqui, que O Émile de Rosseau cai como uma luva para sintetizar tal processo, quando o autor preocupado em preservar a pureza infantil sugere que o educando seja afastado da sociedade pelo maior tempo possível, pois “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe”.
Nesse momento, não há nada mais contraditório do que essa concepção de infância, que priva a criança de viver uma das melhores fases de sua vida de forma natural e saudável. O reflexo disso é a temática de algumas obras românticas como a do conhecidíssimo poema Meus oito anos de Casimiro de Abreu, que se define pelo saudosismo e pela impossibilidade de recuperar um período da vida por excelência.
Para Zilberman (op. cit.), o afastamento da criança do mundo exterior era justificado pela sua fragilidade natural e biológica e com isso passando a ser dependente do adulto.
A escola como reprodutora dos interesses da sociedade na qual está inserida, toma para si a concepção burguesa de infância. A conseqüência disso foi a homogeneização de um grupo por uma fase existencial, invertendo o verdadeiro processo de vivência do indivíduo com mundo, não discutindo os problemas e conflitos que persistem no plano coletivo, na medida em que nega o social e introduz o normativo.
Por outro lado, a Literatura Infantil acabou sendo usada pela escola para manipular as crianças através da obra literária, constituindo a já mencionada “sujeição da arte pelo ensino”.
Para Bernstein (1971), há um processo de recontextualização que se dá primeiramente através de um processo de descontextualização de qualquer discurso de sua fonte original (“pedagogização” do discurso), para se transformar em material didático. Do mesmo modo, Magda SOARES (2003), adverte para inevitável escolarização da Literatura Infantil. Segundo a autora, não se pode evitar que esta se escolarize. O que se pode criticar, no dizer de Magda, é uma escolarização inadequada da literatura “que se traduz em deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma didatização mal compreendida que ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o, falseia-o” (SOARES, in: BRANDÃO et ali, 2003 p. 22).
Rafael MOREIRA (2000), ensina-nos que a análise que se faz dos aspectos ideológicos dos textos didáticos, inclusive os infantis, põe em evidência o papel contraditório da escola em uma sociedade de classes antagônicas, isto é, a escola vista numa perspectiva dialética, pode não só servir a interesses dos setores dominantes, mas também aos setores dominados. (vide FARIA, 1996 p. 79; ROSI, 1978 p. 106).
Olhando por essa ótica, constata-se também a utilidade da Literatura Infantil e da escola para formação de um leitor crítico, uma vez que a escola e a coletividade, reintroduzindo o aluno no presente (...) como ser ativo, (Zilberman, 1985 p. 22). Tudo isso dependerá, é claro, da larga contribuição do professor, no sentido de adequar na medida do possível os textos escolarizados aos seus alunos, além da escolha de outros ausentes na sala de aula.

A Literatura Infantil do/no Brasil

A primeira manifestação literária infantil no Brasil surgiu com educador europeu, Carl Jansen, que atuando como mestre no Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, traduziu e adaptou clássicos para a juventude como: As mil e uma noites, Dom Quixote, Robson Crusoé, entre outros.
Contudo, deve-se a Monteiro Lobato (a partir de 1918, com a obra Urupês) , o começo do rompimento com os padrões literários provindos da Europa, principalmente ao que diz respeito ao aproveitamento da tradição folclórica brasileira, amplamente evidenciada em O Sítio do Pica-pau Amarelo.
O mérito do autor destaca-se ainda não apenas pela criação de personagens nacionais, mas também como afirma Zilberman (1985), pela criação de uma mitologia autônoma que se repete em quase todas as suas narrativas.
Depois de Lobato, muitas obras infantis despontaram, por intermédio de uma nova versão dos contos de fadas [2] como é o exemplo da História Meio ao Contrário de Ruth Rocha. Numa outra vertente, caracterizada por uma perspectiva mais realista temos a Coleção do Pinto editada por André Carvalho, com a pretensão de ampliar a visão de mundo das crianças ou como escreveu Ricardo Ramos numa reportagem da “Isto È” de 1977; “o objetivo parece ser o de demonstrar que a criança não pode ser murada” (p. 42). Ressalte-se ainda, a excelente contribuição de Fernanda Lopes de Almeida (1970), com a obra A Fada que tinha Idéias, que se consagrou pela criatividade presente até mesmo no título Tinha Idéias, por rejeitar o autoritarismo ultrapassado dos padrões convencionais.

A Literatura Infantil na escola: olhando mais perto e propondo ações

A poesia infantil na sala de aula
A presença da poesia infantil na sala de aula se dá principalmente por intermédio do livro didático, ou seja, através dos instrumentos didáticos de ensino (cf. Chiappini, 1998; Soares, 2003; Zilberman, 1985). Com isso, a escolarização inadequada da poesia, contribui para que o tratamento destinado a mesma ficasse restrito aos aspectos formais – conceito de estrofe, rima, verso, ou, o que é mais freqüente, se usa o poema para fins ortográficos ou gramaticais, como se observa no exemplo abaixo, proposto por Soares (2003, p. 27).
Ex: 1. Leia o texto e subline todos os substantivos comuns
QUE BORBOLETA!
Que borboleta é aquela
Que não gosta de flor
E que vive perseguindo mosquitos,
Dando piruetas no ar?
- È uma lagartixa maluca
Que se vestiu com uma gravata-borboleta
E consegui voar.

NANI. Cachorro quente virado pra lua; Belo Horizonte: Formato Editorial, 1987.

Torna-se quase desnecessário verificar a inadequação do uso do poema acima para identificar substantivos comuns: a poesia aqui é um pretexto para exercícios gramaticais, o que parafraseando Soares, contribui para anular o gosto pela leitura e pela poesia nas crianças.

A prosa de ficção na escola
Com relação a prosa de ficção na sala de aula, a situação não é diferente, talvez seja pior. De novo, a inevitável e inadequada escolarização da prosa contribui para a apresentação de textos completamente desvirtuados e capengas aos leitores mirins. Algumas narrativas adaptadas para o público infantil apresentam, até mesmo, deficiências macroestruturais, isto é, sem a organização: exposição, complicação, clímax e resolução. Há textos, por exemplo, que apresentam apenas exposição e interrompem aí a narrativa, que portanto , não se realiza deixando o leitor na expectativa: o que acontecerá neste lugar? Com estes personagens? (Soares, op. cit. p. 31).
Tudo isso, causa uma falta de textualidade e conseqüentemente prejuízos à coerência nos textos apresentados às crianças. Eis aqui um paradoxo brilhantemente salientado por Silva (et ali):

Como pode o livro didático levar o aluno a elaborar bons textos, organizando-os convenientemente, quando os que nele figuram já se mostram inadequados quanto ao recorte? Como pode solicitar algo que nem ele mesmo se esmera em demonstrar ?
(in: ChiappinI, 1998 p. 68).

È triste ver, por exemplo, uma autora do estilo de Ruth Rocha, sendo penalizada pela desconfiguração de sua obra Procurando Firme pelo livro didático:
Ex: 2.
PROCURANDO FIRME
Mas a princesa estava desapontada Aquele não era o príncipe que ela estava esperando! Até que não era feio, tinha umas roupas bem bonitas, sinal que deveria ser meio riquinho, mas era meio grosso, tinha um jeitão de quem achava que estava abafando, muito convencido!
A princesa torceu o nariz.
O pai e a mãe da princesa ficaram muito espantados, ainda quiseram concertar as coisas, disfarçar o nariz torto da princesa, é que eles estavam achando o príncipe bem jeitoso... Afinal ele era príncipe da Petrolândia, um lugar que tinha um óleo fedorento e que todo mundo achava que um dia ia valer muito dinheiro...

ROCHA, Ruth. Procurando Firme. RJ: Nova Fronteira, 1984, p. 17.

Observe que o texto começa com um mas! Uma conjunção que introduz uma sentença em oposição a outra anteriormente dita. O que!? Menciona-se, ainda, a princesa e não uma princesa, logo, pensa-se que tal personagem já foi apresentada anteriormente.
Enfim, para não me estender mais creio que isto já seja suficiente para a demonstrar o tratamento da Literatura Infantil na sala de aula.
Portanto, ciente da capacidade que tem a educação para a construção de dias melhores, e dentro desta, a Literatura Infantil como fonte de alargamento de horizontes e ampliação de referenciais para a criança, acredito ser de máxima urgência a criação de uma escola plenamente democrática, que abrigue em seu seio múltiplas formas de aproximação entre sujeitos e livros a partir do incentivo à leitura como fonte de prazer e aquisição de bens culturais.
Além disso, torna-se viável a partir da leitura o conhecimento e o reconhecimento da identidade cultural local, no nosso caso, o contato com um chão rico em lendas e mitos espalhados por essa imensa Amazônia (que o diga o Projeto IFNOPAP - O Imaginário nas Formas das Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense), que possibilitará uma leitura para além da palavra, como propôs Freire, o que condicionaria a construção de um homem mais consciente e crítico diante da realidade, capaz, dependendo do contexto, de “rasgar coro com o dente e beijar uma flor sem machucá-la, no dizer metafórico do poeta Roberto Frejat.

Referências bibliográficas:

BRANDÃO, M. et ali (org.). Escolarização da Leitura Literária. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
COELHO,N.N. Literatura Infantil e Juvenil. São Paulo: Pioneira, 1990 . (Manuais de Estudo).
DRUMMOND, Carlos. Literatura Infantil, In: confissões de Minas. Literatura Obra completa. Rio de Janeiro: Aguiar Editora, 1979.
GOES, Lúcia Pimentel. Introdução a Literatura Infantil e Juvenil. São Paulo: Pioneira, 1990 (Manuais de Estudo).
LAJOLO, M. & ZILBERMAN, R Literatura Brasileira. História e Histórias. São Paulo, Ática [s. d.].
MEIRELES, Cecília. Problemas de Literatura Infantil. São Paulo: Sumus Editorial, 1979.
ZILNERMAN, R. A Literatura Infantil na Escola. Porto Alegre. 5ª ed. Global, 1985.


























________________________________________

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Livro didático de Português: Algumas reflexões

Prof. Luís Valente (1º semestre de 2007, texto elaborado para o tópico: materiais didáticos e o ensino de Português; de uma das aulas da disciplina prática de ensino de português - UFPA)

A presença da literatura didática nas escolas brasileiras: aspectos político-ideológicos

Rafael M. da Silva (2000), lembra que no Brasil a primeira manifestação da literatura didática se deu através de cartinhas manuscritas, mais tarde denominadas cartilhas, pelas quais os alunos tinham o primeiro contato com as letras. Era o tempo das cartilhas do ABC, geralmente elaboradas pelos pais ou pelo professor (“o mestre”), com intuito de ajudar na alfabetização dos alunos.
Com a chegada dos jesuítas no Brasil, chegaram também os primeiros livros didáticos (LD) vindos diretamente de Portugal. Nesse momento, o LD português, tido como material de ensino nas escolas brasileiras, contribuía não só para ampliar a visão de mundo de nossos alunos, mas também, deixava-os mais distante da realidade em que vivia. É nesse sentido que a perspectiva alienante do texto didático não é recente, mas confunde-se com sua própria história.
No Brasil, pode-se dizer, que a criação das primeiras editoras ocorreu por intermédio da vinda da família real para o Brasil a partir de 1908 e a tendência nacionalista instituída de 30 a 45. Por isso, costuma-se associar a política do livro didático (LD) a três fatores políticos: a Revolução de 30, o Estado Novo e a Revolução de 64 (SILVA, 2000).
Somente a partir da Revolução de 30, o livro didático (LD) nacional ganha destaque. Devido a crise de 29, o aumento de preço de LD estrangeiros favorece o fortalecimento do livro nacional pelos investimentos do café.
Nesse momento, Getúlio cria o Ministério da Educação e Saúde, para exercer maior controle sobre a educação. Em 1937 é criado o (INL) Instituto Nacional do Livro, para divulgar e tratar da distribuição de livros de interesse cultural e educacional. Um ano depois através do decreto-lei 1.006 de 30 de dezembro de 1938, cria-se a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), que além de analisar a qualidade e o conteúdo dos livros didáticos, “estabelece as condições de produção, exportação e utilização do (LD)”.
Para Bárbara Freitag (at, alii) a criação da CNLD “insere-se em rol de medidas visando a reestruturação e o controle ideológico de todo o sistema educacional brasileiro” (1989 p. 24).
A preocupação de Freitag procede, uma vez que a maioria dos artigos do decreto-lei 1006/38, que estabelecem as condições de uso do LD, referem-se mais à questões político-ideológicas que didático-pedagógicas.
A partir da revolução de 64, a educação brasileira se vê submetida a interesse internacional dos Estados Unidos, através dos acordos entre MEC e USAID (United States agency for Internacional Development – Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional), que tinham como lema: “A união pelo progresso”. Desse convênio entre MEC e USAID surge a COLTED (Conselho do Livro Técnico e Didático), órgão colaborador da “Aliança pelo progresso”.
Em 1966, Castelo Branco retira a menção à “Aliança pelo progresso” e a COLTED passa a se chamar “Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático”. Um ano depois o MEC firma acordo com o SNEL (Sindicato Nacional dos editores de Livros) e a USAID, para a distribuição gratuita de livros à estudantes e bibliotecas.
Nesse período, as editoras se submeteram ao controle de produção didática, mas, em contrapartida, todos os livros didáticos eram comprados pela COLTED. Na verdade Moacyir Góes (1986), afirma que a intervenção dos Estados Unidos na educação brasileira foi uma espécie de “golpe na educação brasileira”, pois com uma ação camuflada de “assistência técnica” acabavam criando laços com os países pobres a fim de prevenir a proliferação da doutrina comunista.
Em junho de 1971 a COLTED, alvo de sérias denúncias de corrupção é extinta e surge em seu lugar o INL (Instituto Nacional do Livro) e a FENAME (Fundação Nacional do Material Escolar), que de certa forma continuaram os trabalhos da COLTED, porém sem a intervenção direta da USAID.
Não desaparecendo as denúncias de corrupção agora contra a INL e a FENAME é fundada a FAE (Fundação de Assistência ao Estudante) em 18 de abril de 1983. Em 1994 a FAE começa uma experiência empregando professores para ajudarem na seleção do LD.
Com o advento da Nova República a política do LD se condiciona ao processo de transição de um regime autoritário para um regime democrático. A prova disso é a criação em 19 de agosto de 1985 do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) que subordinado ao FAE amadurecem a idéia de professores na escolha dos livros didáticos.
Entretanto, a nova ordem político econômica do Brasil não trouxe através do PNLD melhoria na qualidade pedagógica do LD e nem na formação de professores.
Em 05 de agosto 1993 o MEC cria emendas ao documento de 1985, instituindo o GT (Grupo de Trabalho) para avaliar o conteúdo e os aspectos pedagógicos metodológicos dos livros mais demandados dos professores à FAE. Os resultados dos trabalhos do GT foram publicados no livro “Definição de critérios para a avaliação de livros didáticos” que contaram com a contribuição de Leonor Scliar Cabral e Paulo Bernadez Vaz.
A partir de 1997 o MEC vem publicando o “Guia do Livro Didático de 1ª a 8ª Série”, contendo critério sobre: o trabalho com o texto, leitura, produção do conhecimento lingüístico, etc. e também “princípios e critérios para a avaliação dos livros didáticos de 1ª a 4ª série”, através da Secretaria de Educação Fundamental (SEF).
Portanto, o livro didático sempre esteve a mercê dos interesses lucrativos das editoras e também como instrumento mediador de propagação da ideologia do estado.

A articulação do livro didático do Português (1ª a 8ª série)

Diante de uma análise mais rigorosa acerca da articulação do LD, pode-se observar uma desarticulação em três níveis: no primeiro nível, a falta de articulação se manifesta dentro de uma mesma unidade que geralmente é estruturada da seguinte forma: leitura, entendimento do texto, gramática e redação.
Para Silva e outros (in: CHIAPPINI, 1998), essas atividades não se integram, pois o texto é escolhido como “pretexto” para trabalhar a leitura e muitas vezes não é o mesmo para o estudo da gramática e nem para a proposta de redação. Nem sequer as temáticas dos textos empregados nas diferentes atividades de uma unidade, tem algo em comum, o que poderia representar um sinal de coerência entre as partes de uma mesma unidade.
Já como relação entre unidades de um mesmo livro, observa-se a ausência de uma mesma seqüência lógico-didática capaz de sequüenciar os conteúdos. Muitos conteúdos, por exemplo, estudados na Unidade I, aparecem na Unidade IV como algo novo, isto é: “Não se nota a preocupação em resgatar os conhecimentos e as experiências aprendidas para o estudo de novos conteúdos. Tudo é visto de forma homogênea e sob a mesma abordagem”, (SILVA et alii In: CHIAPPINI, 1998 p. 57).
A desarticulação se faz presente até mesmo numa coleção didática. Assim como a desarticulação entre as unidades cria no aluno a noção de um estudo estático, entre os volumes de uma coleção não é diferente, muito embora o autor tenha possibilidade de uma visão holística sobre a progressão do grau de dificuldade entre diferentes séries de sua obra. Nesse sentido, Ana Silva e outros argumentam: “se é para retomar, numa mesma série, conteúdo estudado na série anterior, que isso se faça não só para efeitos de revisão, mas também como forma de integração com o que vai ser desenvolvido, a fim de se progredir no nível de dificuldade”, (in: CHIAPPINI, 1998 p. 58).



Uma análise crítica sobre a proposta de ensino do Português no livro didático

A leitura
Antes de qualquer proposição sobre a leitura no LD, faz-se necessário a abordagem de algumas questões básicas para se compreender as limitações do ato de ler no âmbito escolar.
Para Bernstein (1977), ocorre um processo de “pedagogização” de qualquer discurso para se transformar em material didático. Nesse processo os discursos são recontextualizados, isto é, são descontextualizados a serviço do ensino.
Magda Soares (in: BRADÃO, 2003, p. 22) alerta: “não há como ter escola sem escolarização”. Para a autora, não se deve negar a escolarização, mas a escolarização inadequada dos textos que ao se transformarem em didáticos perdem sua amplitude.
Com base nesses autores, já se pode ter uma visão mais ampla do porquê a leitura anda em crise na escola e qual o papel do LD nesse contexto. Na verdade, didatização e descontextualização andam de mãos dadas no LD, o que desfavorece a leitura como construção de sentidos. Isto é comprovado nas pesquisas de SILVA e outros (op. cit.), quando a respeito da leitura na escola, aparecem 87% como mecânica e apenas 13% como dialógica.
A mesma autora ressalta que: “a falta de motivação pela leitura está diretamente ligada ao processo de descontextualização que sofrem os textos no LD” (op. cit. p. 65).

A produção de textos
A produção textual como propõe o LD não apresenta interlocutores. Lívia Suassuna (2003), declara que na produção de textos na escola os alunos não se sentem sujeitos de sua linguagem “na medida em que fazem ‘redações’ para um único interlocutor – o professor (...) aquele “inquisitor’ que transforma a interlocução possível numa caça aos erros”, (p 43).
Embora alguns livros, diga-se os mais recentes, tenham apresentado a noção de produção textual numa perspectiva dialógica e como práticas sociais, na maioria das vezes ainda se evidencia “a prática de uma escrita sem função, destituída de qualquer valor interacional, sem autoria e sem recepção (apenas para exercitar)”, (ANTUNES, 2003 p. 26-27).

A oralidade
Na maioria dos livros didáticos não se observa uma atividade objetiva e bem planejada a respeito da oralidade. Há “uma quase omissão da fala como objeto de exploração escolar, (ANTUNES op. cit. p. 24). Na maior parte dos casos isso acontece pela crença surrealista de que os usos orais são palcos de violação gramatical e portanto lugar de tudo o que é “errado” na língua. (vide, CASTILHO, 2003)

Os conhecimentos linguísticos
Este talvez seja o ponto mais cristalizado nos livros didáticos, pois os textos continuam sendo meros “pretextos” para o trabalho gramatical:
Continua-se trabalhando, nos livros didáticos com a gramática de forma mais tradicional, sem qualquer indício de incorporação coerente de conhecimento pela lingüística moderna que poderiam ser relevantes para o trabalho com a língua materna na escola.
(Maria Bernadete M. ABURRE, et alii, s. d.)

O livro didático e o ensino do Português
A prática de ensino subjacente ao LD, baseia-se no que Soares (1986) chamou de “mito de deficiência cultural”, pelo qual se justifica o uso do modelo educação bancária de transmissão de conhecimento pronto e acabado.
Com isso, no dizer de Ana Faria (2000), a escola através do “LD serve de manutenção dos interesses da classe dominante ignorando os interesses da classe operária”, (p. 92).
Entretanto, não se pode negar o papel dialético da escola, o poder que ela tem de ativar a consciência crítica dos alunos. Isso seria possível, por exemplo, através da perspectiva progressista de criação de propostas pedagógicas alternativas ao LD.

A regionalização do livro didático
A proposta de descentralização editorial do LD como uma possível solução para o hiato criado entre o aluno e a realidade, é polêmica. Para os adeptos da pedagogia libertadora a regionalização do LD seria um passo para a resolução do problema. Entretanto, alguns educadores têm manifestado contra a descentralização do LD. Segundo estes, o baixo nível de qualificação dos agentes educacionais poderia ocasionar improvisação ou banalização do LD.
Vale dizer que essa proposta possui muitas variáveis de ordem política e econômica, uma vez que as editoras como empresas capitalistas jamais irão abrir mão de um lucro tão generoso que é a produção didática.

O professor e o livro didático
Pode-se observar que nem sempre a boa vontade do professor é suficiente para que ele possa redimensionar o uso do LD, pois é a realidade educacional do país que praticamente o obriga a utilizá-lo em classe. Na apresentação do livro Quem engana quem: professor X livro didático de Olga Molina (1988), Ezequiel Theodoro da Silva afirma que o professor é praticamente empurrado ao uso inocente do LD pelas péssimas condições materiais da escola, pela péssima condição salarial e de trabalho, além da pressão dos programas oficiais e das empresas editoriais.
Contudo, ainda parece ser o professor o “salvador da pátria” se acreditar na sua capacidade de redimensionar o uso do LD e sugerir outros recursos didáticos como complemento para sua prática.
Para Ana Lúcia Faria (1996) “o LD é um mal necessário, já que alguma forma facilita o trabalho do professor, que ganha tão pouco, precisa dar muitas aulas e não tem tempo para prepará-las como gostaria”, (p 80).
Em suma, estas reflexões críticas sobre os LD sugerem:
• Uma mudança metodológica por parte do professor, após assumir sua posição política com relação á educação e ser coerente com ela na sua prática;
• Melhoria da qualidade e reorientação da leitura dos textos (reverter o quadro criado pela escolarização do texto didático);
• Adequação dos conteúdos a realidade do aluno (perspectiva progressista);
• Adoção do trabalho com os gêneros do discurso (nova tendência de abordagem textual na escola) (vide MARCUSCHI, 2002; MAINGUENEAU, 2003)
• Interação entre ciência da linguagem (lingüística) e a ciência da educação (pedagogia), (melhoria na condição e qualificação do professor com ênfase à disciplina prática de ensino).

Referências bibliográficas:

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
CHIAPPINI, Lígia (org.). Aprender a Ler e a Ensinar com Textos Didáticos e Paradidáticos. 3ª ed.São Paulo: Cortez, (Coleção Aprender e Ensinar com Textos, v. 2)
FARIA, Ana Lúcia. Ideologia no Livro Didático. 13ª São Paulo: Cortez, 2000. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 37).
FREITAG, Bárbara et ali. O Livro Didático em Questão: Cortez, 1989.
GERALDI, João W. O Texto na Sala de Aula. São Paulo: Assoeste, 1985.
SILVA, Rafael M. da. Textos Didáticos: crítica e expectativa. Campinas/SP: Alínea, 2000.
SUASSUNA, Lívia. Ensino de Língua Portuguesa: uma abordagem pragmática. 6ª ed.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Relatório do projeto: O oral também se ensina: práticas de ensino e apropriação do oral formal na escola públi

1. IDENTIFICAÇÃO
Coordenador/orientador: Luís de Nazaré Viana Valente
Titulo do Projeto ao qual está vinculado o plano de trabalho: O oral também se ensina: práticas de ensino e apropriação do oral formal na escola pública
Bolsista: Francisco de Assis Trindade Ferreira
Escola: EE JULIA PASSARINHO
Título do Plano de Trabalho: Práticas de ensino do oral formal na escola: concepções, mitos e desafios.
Vigência da bolsa: 23/06/2008 a 23/06/2008

2. INTRODUÇÃO
A concepção interacionista de linguagem, desenvolvida nos últimos anos, pressupõe um ensino mais produtivo, tendo como objeto gêneros orais e escritos (PCN, 1998), Entretanto, a escola ainda sofre influências de uma concepção tradicional e restrita de linguagem, cuja primazia da escrita tem sido sua marca registrada. Nesse sentido, o trabalho proposto, pretende evidenciar a representação que professores do ensino médio, têm do oral, assim como suas concepções de ensino, mitos e condições para ensiná-lo, isto é, possíveis ensaios de elaboração e execução de seqüências didáticas com tais gêneros. Para tanto, serão aplicados questionários abertos e entrevistas semi-estruturadas, além de análise de documentos didáticos usados (livro didático, projeto pedagógico, plano de aula, etc.), tendo como foco, os sujeitos envolvidos no ensino-aprendizagem de português no ensino médio das escolas públicas de Cametá-Pa.

Nesse sentido o ineditismo do trabalho está em compreender, a partir de um estudo aplicado, o ensino do português nas escolas públicas como relação ao tratamento da comunicação formal pública, formalizada pelos gêneros orais formais como; o debate, a exposição oral, a entrevista e outros, como objetos de ensino na escola. O investimento em tais estudos são ainda justificáveis por outros fatores distintos, porém complementares como:

a) a grande tematização do oral formal no campo acadêmico-científico brasileiro mais recente, impulsionado pelo aparecimento de uma concepção de linguagem mais rica e dialógica. Nessa direção tal tematização tem como base estudos francófonos de Schneuwly & Dolz (2004) e;

b) pela normatização legal-oficial do oral formal como objeto de ensino de língua, despontado pela publicação dos PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, no final dos anos 90, cuja maior inovação foi regulamentar os gêneros orais e escritos como objetos de ensino e os textos como unidades, a partir dos eixos da leitura/escuta, produção e análise lingüística.

3. OBJETIVOS
3.1. Geral
Evidenciar e teorizar sobre a representação que professores, alunos e coordenadores pedagógicos - do ensino médio das escolas públicas de Cametá-Pa - têm do oral e de seu ensino (objetivo parcialmente alcançado, uma vez que não foi possível, pela complexidade do tema e pela natureza da pesquisa e ainda pelo numero reduzido de bolsistas (1), analisar os discursos dos alunos e coordenadores pedagógicos, empreitado que pretendemos continuar no ano corrente).

3.2. Específicos
I) Diagnosticar o espaço do oral formal na escola pública (objetivo alcançado);
II) Compreender como as concepções, mitos, e condições dos sujeitos do processo ensino-aprendizagem podem influenciar no tratamento dos gêneros orais formais como objetos de ensino (objetivo alcançado);
III) Contribuir para o investimento em estudos aplicados tanto com relação aos problemas de ensino do oral formal, quanto para a formação de professores de língua (objetivo parcialmente alcançado, precisamos elaborar formas de intervenção concretas para redimensionar a concepção atual do oral e de seu ensino, como mostram nossos resultados).


4. METODOLOGIA
Leitura do referencial teórico-metodológico, elaboração e aplicação das entrevistas semi-estruturadas, transcrição grafemática e análise dos discursos dos professores sobre o oral e seu ensino. Os professores entrevistados (4) forma representados, por questões éticas, por P1;P2;P3 e P4.

5. RESULTADOS OBTIDOS
Nossos dados revelaram que a concepção de oralidade presente, nos discursos docentes, nas escolas pesquisadas é o oral como fala espontânea:


“então o oral a ser trabalhado é aquele que ele já traz de fora acho que vai ficar mais fácil pro aluno desenvolver o trabalho dentro da sala de aula”. (P3 3’13”)
“então é possível trabalhar a oralidade né mesmo porque fica mais fácil se o professor tiver consciência que é um fenômeno que o aluno traz de fora da sala de aula e o que a gente vai fazer e só desenvolver a oralidade dele na sala de aula é possível sim na hora que a gente pede pro aluno responder uma determinada pergunta, a gente envolve questões do dia-a-dia” (P3 5’32’’)
“você tem a oralidade no seu dia-a-dia então essa possibilidade é muito grande de mostrar pro aluno dentro da própria fala dele, as questões das variedades, as questões dos preconceitos lingüísticos, então se a gente fizer um bom trabalho a partir daquilo que o aluno produz, daquilo que ele fala da oralidade dele a dos demais a gente consegue produzir bons textos.” (P2 4’21’’)
“A gente pode tornar esse oral democratizando o ensino [...] dando ênfase e dando importância pra linguagem que ela já traz de casa e não criticando e nem menos pregando essa bagagem cultural que ele trás então primeiro nós temos a linguagem que o aluno traz de casa sua cultura e a partir daí ele vai se sentir mais a vontade, ele vai se sentir mais é propicio a se manifestar, a se expressar, sem ter vergonha da linguagem que ele faz.” (p1 2’32’’)

Como vimos os professores não conseguem fugir dessa imediatez em que nascem os gêneros primários e acabam por não conseguir trabalhar os gêneros orais formais por dois motivos:
a) por não ter clara a noção de gênero do discurso como objeto de ensino, embora essa noção já venha sendo discutida a mais ou menos dez anos com a publicação dos PCN, e, complementarmente,
b) pelo desconhecimento didático-pedagógico, em termos de modelização e sequenciação didática, na medida em que, se se toma oral para ensinar, os conteúdos ficariam de fora, como se observa nos trechos a seguir:

“é um desafio muito grande para o professor porque a gente vai ter que deixar o programa curricular, um pouco de lado pra poder trabalhar a oralidade” (P43’10’’)
“trabalhar a oralidade é possível através de um planejamento e se deixar aquilo que o conteúdo, o sistema nos dá, temos que trabalhar “x” e nós temos a questão dentro da língua portuguesa” (P32’11”)
“[...] então não dá pra trabalhar muito né a oralidade dessa maneira até porque o conteúdo programático de língua portuguesa de 5ª série e pede lá variação lingüística, os fenômenos lingüísticos, então aproveitando esse gancho daria pra trabalhar sim a oralidade não só em língua portuguesa mais em outras disciplinas [...]” (P35’28”).


Portanto, o redimensionamento da questão parece passar, necessariamente, pela formação continuada dos professores. Principalmente quando a questão é o ensino do oral, já que este nunca teve tradição no âmbito escolar em detrimento da escrita.


7. BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal [1952-3]. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CHERVEL, Andre. A história das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. TEORIA & EDUCAÇÃO, nº 2, Porto Alegre, 1990.
GOMES-SANTOS, Sandoval Nonato. Gêneros como objeto de ensino: questões e tarefas para o ensino. PROGRAMA SALTO PARA O FUTURO. MEC, 2008.
GOULART, Cláudia. A prática do gênero oral na escola: uma abordagem etnográfica. Estudos Lingüísticos XXXIII P. 298-302, 2004
MARCUSCHI, L. Da fala para a escrita: Atividades de retextualização. SP: Cortez, 2001.
MOITA-LOPES, L. P. oficina de lingüística aplicada. Campinas-SP: mercado de letras, 2002.
PIETRO, J-F & SCHNEUWLY, B. O modelo didático do gênero: um conceito da engenharia didática. Revista MOARA, nº 26. Belém-Pa: CLA/UFPA, 2006.
ROJO, R.& SCHNEUWLY, B. As relações oral/escrita nos gêneros orais formais públicos: O caso da conferência acadêmica. Campinas: Unicamp, 2008a. (mimeo – circulação restrita).
ROJO, R. Os gêneros do discurso no circulo de Bakhtin – ferramentas para a analise transdisciplinar de enunciados em dispositivos e práticas didáticas. Campinas - SP: Unicamp, 2008b. (mimeo).
________________ & CORDEIRO, G. S. (orgs. trads). Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

SEF, Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa. MEC, Brasília, 2001.
SOARES, Magda. A Escolarização da Literatura Infantil e Juvenil. In BRANDÃO, et alli. Escolarização da Leitura Literária. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

9. PRINCIPAIS PROBLEMAS E DIFICULDADES PARA A REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES
Apenas algumas dificuldade infra-estruturais como falta de um gravador profissional para a coleta dos dados e algumas vezes a não disponibilidade de PC conectado a internet para pesquisas e preenchimento de formulários na plataforma PIBICjr.


10. PARECER DO ORIENTADOR
Manifestação do orientador sobre o desenvolvimento das atividades do aluno

O aluno desenvolveu satisfatoriamente as atividades previstas no plano de trabalho.




Belém, 28 de julho de 2009



Prof. Ms Luís de Nazaré Viana Valente
ORIENTADOR

Francisco de Assis Trindade Ferreira
BOLSISTA