Soube, hoje, do encerramento das atividades do LEIA BRASIL. Não posso deixar de vir a público para expressar a minha imensa tristeza diante deste acontecimento. Ao mesmo tempo, para demonstrar a minha intranquilidade a respeito do destino da leitura neste país.
Ao longo de minhas lutas por mais e melhores leituras para o povo brasileiro, sempre defendi a necessidade de uma "frente" constituída por uma grande - e diversa - quantidade de entidades (públicas e privadas) voltadas ao estudo e à promoção da leitura. A razão é mais do que óbvia: a vergonhosa, a horripilante paisagem que atualmente resulta dos descuidos e descasos dos governos brasileiros em relação ao desenvolvimento das práticas de leitura.
Em 2010, terceiro milênio, em meio às sociedades de informação e do conhecimento, o Brasil apresenta o terceiro PIOR nível de desigualdade de renda do mundo e um quadro sombrio expressando o número de leitores reais. A ferida do analfabetismo continua estuporada. Os iletrados funcionais representam quase a metade da população do país. A débil e debilitada rede de bibliotecas (públicas e escolares) nem de leve, nem de longe alimenta a promoção da leitura. Isto tudo a despeito dos incessantes - mas descontínuos, burocratizados e depauperados - programas de enfrentamento dessa questão.
Um dos efeitos básicos da leitura é a qualificação, para melhor, das decisões e ações dos indivíduos, robustecendo-lhes a cidadania. Outros países sabem disso e não perdem de vista o decisivo apoio aos trabalhos das entidades que indistintamente preservam e dinamizam os seus bens culturais escritos junto à população. No Brasil, infelizmente, ou se repete o erro de repetir políticas caolhas de apoio ao que não dá e nunca deu certo, ou se vira a cara para assistir, de camarote, talvez cinicamente rindo por dentro, à morte e ao sepultamento de importantes entidades culturais.
O valor do LEIA BRASIL advém da continuidade da iniciativa pioneira de Mário de Andrade de itinerar a leitura por entre escolas e comunidades através de caminhões. Um trabalho com professores e com estudantes de toda a comunidade escolar visitada para descobrir e experimentar algumas delícias do ato de ler. Advém também de um conjunto considerável de publicações (Leituras Compartilhadas, coleções de livros, CDs, DVDs, entrevistas, filmagens, etc.), de um poderoso portal de serviços pela Internet, de significativa participação em eventos nas várias regiões do país, de estudos e pesquisas, etc. Quer dizer, a entidade consolidou, historicamente, um "patrimônio" importantíssimo sobre as dinâmicas e os processos de leitura no Brasil - um patrimônio que seguramente vai pro brejo por falta de um olhar de natureza solidária, profissional, sensível dos organismos de apoio ou de patrocínio.
Não quero discutir e nem condenar as razões que levaram Jason Prado, o idealizador e coordenador do LEIA BRASIL, a essa decisão. Quero, isto sim, evidenciar aos leitores deste texto que a morte de uma entidade representa não apenas a permanência do nosso evidente atraso cultural na área, mas fundamentalmente o imenso desvio dos rumos que nos conduzem à conquista do direito à leitura, o que o fundo e à inversa, significa o alastramento da idiotice - ou muita esperteza cínica - nas esferas responsáveis pela educação e cultura no Brasil. E, por tabela ou como reflexo, o alastramento da idiotice por toda a sociedade.
EZEQUIEL THEODORO DA SILVA
Cidadão brasileiro, "de luto"
Fonte:www.leituracritica.com.br
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